Por: João Jeronimo Monticelli
Antes de tudo é preciso esclarecer que “conceito” é a compreensão ou noção das coisas, algo que serve de base para trabalhos e ações. O artigo aborda alguns conceitos, outros podem ser encontrados na bibliografia indicada.
Simplificadamente, os terrenos naturais são constituídos por três (3) camadas ou extratos, de cima para baixo: solo, uma zona de transição (entre o solo e a rocha) e a rocha. Às vezes a transição pode estar ausente ou ser de pequena espessura; outras vezes pode ser espessa, heterogênica e complexa (Figura 1). As investigações geológico-geotécnicas, dentro das quais as sondagens mecânicas (trado, percussão, mista e rotativa) são muito importantes, visam amostrar e caracterizar essas camadas ou extratos dos terrenos.
Figura 1: Solo, transição solo-rocha e rocha
Fonte: Monticelli, J.J. (1984). In.: Marrano et al. (2021)
Solo, em engenharia, é o material escavável por ferramenta e que se desagrega na presença de água. Já a rocha seria, então, o material não escavável e que não se desagregaria na presença de água, ou seja, aquilo que se denomina rocha alterada dura (RAD). A zona de transição é constituída por solo de alteração (ou solo residual) e rocha alterada mole (RAM), materiais que às vezes recebem o nome de saprolito ou solo saprolítico.
Tudo isso é uma simplificação, pois dentro do solo podem ocorrer seixos e matacões de rocha. E, dentro da camada de rochas podem ocorrer bolsões de solo de alteração, assunto comentado mais à frente. Também deve ser considerado que há rochas que, ao serem expostas na superfície, se desagregam na presença de água, por conterem argilominerais expansivos.
Vaz e Gurgueira (2018) indicam os materiais constituintes do terreno natural (perfil de intemperismo) de maneira bastante didática, correlacionando os extratos geológico-geotécnicos aos seus comportamentos (homogêneo/ heterogêneo), métodos de escavação e de perfuração (ver Figura 2). Os interessados em conhecer mais do assunto também podem recorrer a Marrano et al.(2021).
Figura 2: Perfil de intemperismo para solos tropicais
Fonte: Vaz, L.F. (1996). In.: Vaz, L.F. e Gurgueira, M.D. (2018)
O endereço eletrônico www.padraoags.com.br contém, dentre outras informações de interesse, a “Diretriz AGS-BR 03/2018 – Sondagens a Percussão (SP) – Descrição e classificação de amostras”, com informações interessantes e práticas sobre a identificação de solos, destacando a importância da informatização, digitação e padronização terminológica.
ESPECIFICAÇÕES
Ao planejar uma campanha de sondagens mecânicas, os Termos de Referência/Especificações, devem prever às camadas que deverão ser caracterizadas, levando em conta o perfil de intemperismo em cada local sondado, conforme comentado anteriormente. Uma das Especificações mais importantes é a definição do “impenetrável a percussão” e profundidade a atingir com a sondagem, seja percussão ou rotativa. A identificação do impenetrável a percussão está associada à interrupção do ensaio SPT (NSPT com 50 golpes ou mais).
A Norma ABNT BR 6484/2000 – “Solo: sondagem de simples reconhecimento com SPT” é a mais utilizada no Brasil para especificar a interrupção do ensaio de penetração padronizado (SPT) e a impenetrabilidade ao avanço com percussão. Também podem ser utilizados os procedimentos da ABGE – Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (semelhantes aos critérios da ABNT).
O critério de interrupção do ensaio SPT, segundo ABNT (aplicação de 5 golpes sucessivos, sem avanço do amostrador, por exemplo) ou ABGE (quando a penetração for inferior a 5cm após dez golpes), além de se configurar o impenetrável (NSPT maior que 50), significa que a investigação deve ser interrompida, ou, caso necessária e assim especificada, prosseguir a mesma através de outro método de perfuração e amostragem (avanço por lavagem com trépano ou através de rotativa).
Ao se constatar o impenetrável ao ensaio SPT, a continuidade do furo por lavagem com trépano ou uso de rotativa permite melhor qualidade na investigação e evita danos desnecessários às hastes e ao bico do amostrador.
Os critérios da ABGE -- de interrupção de ensaio SPT, avanço por lavagem com trépano e/ou pelo método rotativo -- foram originalmente propostos para investigações de fundações de barragens. São procedimentos consolidados no mercado, com mais de 50 anos de contínuos aperfeiçoamentos (Delatim e Guimarães, 2021).
A Norma ABNT e mesmo os critérios ABGE preocupam-se com os avanços da perfuração e não explicitam as interferências dos materiais geológico-geotécnicos atravessados, deixando aos profissionais envolvidos, Contratante (Empreendedor/Projetista/Fiscalização) e Contratado (Executor), o discernimento sobre isso. O que significa ter discernimento sobre as relações entre os materiais atravessados pelas sondagens e os critérios de impenetrabilidade ao SPT e aos avanços por percussão?
CONTRATO E FISCALIZAÇÃO
Primeiramente, é importante considerar que a sondagem é uma ferramenta de investigação do terreno, não meramente um trabalho para atender a um procedimento cartorial e burocrático. Um erro comum é o Contratante e sua Fiscalização se fixarem demasiadamente nas cláusulas de Contratos, sem flexibilidade para adaptações às realidades de campo. Nas décadas de 1960 e 1970 as cláusulas contratuais permitiam mais espaço e adaptações às realidades de campo, decisão que cabia à Fiscalização, o que nem sempre acontece na atualidade. Não restam dúvidas de que melhores resultados são obtidos quando a Fiscalização e o Executor são parceiros da investigação e não meramente partes distintas de um Contrato.
A autonomia da Fiscalização para aprovar alterações nas especificações sempre redundou em melhorias e avanços tecnológicos às investigações geológico-geotécnicas. Se em décadas passadas, o grau de qualidade das investigações era muito maior que o momento atual, aceitar procedimentos engessados não nos parece adequado, é um enorme retrocesso. Em obras lineares, em que os terrenos variam de lugar para lugar e em locais geológicos complexos (e quase todos são), a necessidade de adaptações das normas contratuais ao encontrado no campo se impõem, sob risco de perda de qualidade e aumento de conflitos entre as partes, Contratante e Executor.
MATACÕES
A Figura 3, foto superior, é um talude de estrada que ilustra um perfil de intemperismo comum no Brasil. A sondagem a percussão poderia atingir, nesse local, um matacão e, por ser investigação pontual, o impenetrável poderia ser confundido com o topo da rocha. Normalmente, exige-se que a sondagem, caso impenetrável a pouca profundidade, seja deslocada alguns metros e repetida. No local em questão, a nova sondagem poderia atingir novamente outro matacão ou atravessar o solo e chegar até a rocha alterada mole (RAM). Na foto inferior, notar que abaixo de um grande matacão (rocha alterada dura – RAD) ocorre solo de alteração. Uma boa investigação, neste caso, deveria prever avanço com rotativa e, atingindo o solo, a realização de ensaio SPT (Delatim e Guimarães, 2021 - itens 3.4, 3.5 e 3.6 pg. 115 e seguintes, e item 5.3, pg 131).
A rocha alterada mole (RAM) varia de local para local: pode ser ou não impenetrável ao SPT, pode ser ou não perfurada com lavagem com trépano, pode ser má ou bem amostrada por sondagem rotativa (mais de 90% de recuperação). São várias as possibilidades que se apresentam. Isso reforça os conceitos anteriormente expostos de que, para um bom desempenho nas investigações (qualidade e preço), são fundamentais que haja um Contrato adequado e flexível, boa capacitação técnica dos envolvidos e diálogo contínuo entre Contratante (Fiscalização) e Contratado.
Figura 3: Perfil de um terreno com matacões
Fonte: Vaz, L.F. e Gurgueira, M.D. (2018)
João Jeronimo Monticelli, Geólogo (IGc-USP, 1971) e
Mestre em Geotecnia (EESC-USP, 1984) é especialista em
Geologia de Engenharia e em Gestão de Recursos Hídricos.